Esta matéria é uma homenagem a minha filha Fernanda Brum.
Há momentos coloridos e reluzentes na vida que parecem capazes de nos conectar à espiritualidade e ao nosso espírito, estar diante do mar é um deles. É como se o espírito fosse autorizado a voar sobre o mar e a percorrer o infinito sem preocupações, sem contas para pagar, sem traições, sem dores e ao mesmo tempo tudo que está engasgado e não conseguiu ser expressado sai como um grito, um choro de uma alma pedindo socorro, junto da certeza que estarmos sendo vistos e ouvidos. Pobre daquele que viveu e nunca teve a chance de ver um pôr do sol diante do mar. Emprestaria meus olhos e coração por alguns instantes para que jamais houvesse alguém que partiu daqui sem sentir a magia de ser acariciado pela brisa de um fim de tarde diante das ondas do oceano num domingo qualquer.
Há muito tempo, quando tive conhecimento de que existiam Orixás que eu não conhecia, tive um momento de resistência.
- Não cabe e nem preciso de mais Orixás na minha vida.
- Não há necessidade em cultuar deuses para tudo.
Por um lado eu não estava totalmente errado, de fato não há como uma pessoa cultuar todos os Orixás que existem, é impossível. No entanto abrir a mente para compreender novos propósitos é vital para um devoto da Tradição Iorubá e seguidor de Ifá (Orunmilá), pois uma boa parte dos Orixás são citados nos versos de Ifá e trazem consigo um aprendizado dentro da filosofia que escolhi seguir e deixar como legado para os meus descendentes.
A primeira vez que li sobre Olokun - Olóòkun Seniade - (Senhor(a) do Mar), eu pensei imediatamente:
E Iemanjá? Como fica?
Vou ser sincero, existem algumas crenças que parecem que fazem parte do nosso corpo e doem ao serem desconstruídas. A gente se apega né gente… fazer o quê?
Para a minha surpresa e mais uma vez indo no contrafluxo do saber popular no Brasil, descobri que Iemanjá é senhora do mar aqui no Brasil, mas que em Yorubaland ela é Odoyá (Odo = Rio , Ìyá = Mãe), a Mãe do Rio. Algo que sempre esteve sob os nossos olhos e ignoramos ou não vimos por sermos todos analfabetos do iorubá. Ainda é difícil olhar para o mar e não lembrar de Iemanjá, mas os meus filhos, e um dia meus netos irão aprender o certo. Não se pode mudar essa crença à fórceps, de algo que já faz parte de um inconsciente coletivo, afinal, Iemanjá é a Orixá mais popular no Brasil, com as suas festas no dia 02 de fevereiro em frente ao mar em vários estados e principalmente na nossa cidade, presente em tantas músicas, mas de pouquinho em pouquinho essa crença vai mudando.
Depois de abrir a minha mente para o novo fui em busca de Olokun, ainda um pouco resistente, afinal não há como simplesmente ignorar a existência do mar.
As primeiras e raras informações são aquelas básicas como princípio feminino ou masculino, cores, saudação e assim por diante. Logo de início já tive problemas com questões simples, pois em Ile Ife, Olokun é a senhora dos mares, em Benin é Osenhor dos mares, já em Oyó depois de muita pesquisa, li um livro escrito por um sacerdote de Olokun que também o trata com o princípio masculino.
Aqui eu peço licença aos leitores do meu blog para fazer uma observação pessoal. É muito crítico esse momento do princípio masculino ou feminino, pois pensa comigo, segundo a biologia onde se deu início a vida? No mar, certo? Então o mar seria o maior útero do planeta terra. Como o Orixá que representa esse grande útero é masculino? Mas… vamos em frente.
A parte mitológica também é um emaranhado de informações, mais uma vez em cada região há mitos sobre a ancestralidade e a descendência que chegam a ser divergentes. Olokun pai/mãe de Ajê e Iemanjá, em outra região é Filho(a) de Yemanja. O que isso influencia na fé? Eu acredito que nada, mas pode haver alguém que discorde de mim.
Uma das poucas informações básicas que é unânime em todas as regiões é o fato de Olokun ser um Orixá funfun, do branco.
É muito pouco, quase nada, para se falar de algo tão grandioso como o mar. Me lembro de uma música de Vinicius de Moraes e Toquinho, regravado por Bethânia que diz assim: "Quando eu morrer voltarei para buscar os instantes que não vivi junto ao mar".
Pesquisando bastante, estudando e traduzindo versos cheguei em conclusões particulares sem a outorga de ninguém.
Olokun para o povo Iorubá é um(a) Deus(a) temível, diante da sua grandeza, beleza e mistério, ao lado de Onilè, são considerados os(as) Orixás mais poderosas(os) de àiyé, devido o seu poder de construção e destruição. Se ficarmos diante da ira (do negativo) de qualquer um(a) deles(as), não sobreviveremos.
Olokun, assim como Ajê, está ligado(a) a prosperidade financeira, mas de formas bem distintas, farei um novo texto falando apenas sobre essa visão de Ajê, neste vamos focar em Olokun.
A partir daqui vamos entrar no axé de Olokun.
Transcrevo uma parte do verso do odù Ifá Irete Ogbe (S.Papoola) que diz assim:
Ategbe ategbe, o awo de Olokun
Ifá abriu o oráculo para Olokun
Quando a água no mar não era suficiente para lavar seus olhos
Ategbe ategbe, o awo de Olosa
Ifá abriu o oráculo para Olosa
Quando a água da lagoa não era suficiente para lavar sua perna
Ategbe ategbe, o awo de Atan
Ifá abriu o oráculo para Atan
Quando ele não podia descansar de dia nem à noite
Eles foram aconselhados a oferecer ebó
Mas apenas Olokun e Olosa fizeram a oferenda e se tornaram grandes
Atan se recusou a fazer e não conseguiu se tornar uma pessoa de sucesso
O mar de Olokun ficou cheio até a borda
Enquanto a lagoa também ressurgiu totalmente
Akintekun (esposa de Atan) gastou todo o dinheiro de Atan em quiabo seco.
Uma das interpretações desse verso é que mesmo com toda a água do mar, Olokun lavava seus olhos e eles permaneciam sujos, mesmo com toda a água da lagoa, Olosá lavava sua perna e ela permanecia suja e mesmo com Atan trabalhando dia e noite sem descansar, seus esforços não eram o suficiente.
Existem pessoas e pessoas. Aquelas que esperam sentados o pão servido na mesa, caso o pão não venha, morrem de fome. Há as que querem comer pão e vão passo a passo começando por plantar o trigo, essas não apenas comerão do melhor pão como terão para dar e vender, assim como também há as que roubam o pão do vizinho. Tem aquelas que comem todos os pães em um dia só e no dia seguinte passam fome. Por último existem as que escolhem com cuidado as melhores sementes para o trigo, estudam a terra, regam o solo, cuidam de tudo com dedicação, disciplina e empenho e no entanto a semente não germina. Parece sempre tudo em vão.
O último exemplo, é como o verso de Irete Ogbe, por mais que a pessoa tenha tudo, todas as ferramentas, todo seu esforço e empenho não tem recompensa à altura, tudo sempre acaba em pó, junto de uma ferida na esperança. Por isso pede-se a Olokun para que reconheça os nossos esforços. Olokun é quem dá o mérito e a medalha ao lutador.
Mas se tudo na vida é causa e efeito, por qual motivo um(a) trabalhador(a) honrado(a), não teria seus esforços recompensados? Assim como Ogun é a própria força de trabalho dos seres humanos e como Ajê é a paciência e a busca pela competência, quem é Olokun?
(CUIDADO! INTERROMPEMOS NOSSA PROGRAMAÇÃO NORMAL PARA UMA SESSÃO DE DEVANEIOS DE IFÁSOLÀ SOWUNMI)
Eu precisava de uma razão mais lógica para avançar.
Seria um tanto injusto, dentro da filosofia iorubá um efeito sem uma causa, por qual motivo um ser humano que trabalha, se esforça, economiza, faz o uso inteligente do dinheiro, não teria sucesso?
Não descansei, fiquei dias e dias pensando sobre isso. Costumo dizer que Orunmilá jamais nos deixa sem respostas. Qual seria o simbolismo de Olokun e Ori nesse momento, já que nenhum Orixá é capaz de abençoar um devoto sem a permissão de Ori?
O que seria profundo e desconhecido como o oceano dentro de nós? Onde estão os nossos maiores medos? Eu mesmo amo o mar, poucas coisas no mundo me hipnotizam como ele, e não tenho tenho medo, aquele medo profundo que a maioria das pessoas tem. O que em nós seria tão perigoso quanto o mar?
Dias se passaram...
VIVAAAAAAAAAAAA!!!!
BINGOOOO!!!
EUREKA!!!!
EUREKA!!!!
O subconsciente.
Voltei as pesquisas na literatura, conversei com no mínimo 10 Babalorixás, vários que não são da nossa cidade. Entre todos apenas dois, um deles Antropólogo, concordaram que existe sim essa probabilidade, dentro de uma leitura contemporânea versus o saber dos nossos ancestrais. Afinal há quanto tempo existe o conhecimento da existência do consciente, inconsciente e subconsciente?
A grande questão é que realmente acredito que são as crenças que temos em nossas mentes e nem ao menos sabemos, que podem de fato bloquear o nosso sucesso na vida, quando nos sobra atitudes e coragem.
(VOLTANDO A PROGRAMAÇÃO NORMAL)
Os iorubás de fato acreditam que há muitas riquezas escondidas no fundo oceano. O sal, por exemplo, símbolo da conservação e preservação da vida longa, do progresso e da sorte é um deles. Entre todos os Orixás, em algumas regiões, ela(e) é considerado(a) o(a) mais rico(a) entre todos os deuses e o primeiro(a) a usar uma coroa sobre o seu Ori.
Os Fon chamam Olokun de Awoyo, outro nome que ele(a) recebe é Yemíderegbe, o Orixá que vive no fundo do oceano, em que muitos acreditam ser um dos portais para o mundo invisível (orun). Em Ifé também existe a crença de que Olokun foi uma das esposas de Orunmilá.
No Odu Irete Iwori, Ifá é conhecido como “Olokun a soro dayo”, aquele que traz prosperidade e alegria para os que vivem dificuldades. (Lindo demais isso!) Há também um Oriki em que Orunmilá é ” Olokun sun ni ade eleri ipin”, a testemunha do destino. Assim, a partir desse trecho, ele passa a ter uma coroa como Olokun, em virtude do casamento, ou seja, Orunmilá pode ter assumido o título real de sua esposa. Isso é suposto, pois estamos falando dos iorubás, uma sociedade patriarcal onde é muito raro as mulheres serem coroadas.
Ao estudar, encontra-se a informação de que ao cultuar Olokun é preciso cultuar Olosá simultaneamente.
Acredita-se que mesmo com o culto a Olokun sendo forte em Ile Ife, que a origem do culto a tenha sido na República do Benin. Uma das evidências é justamente a junção de Olokun e Olosá.
Essa passagem nos remete que Olokun e Olosá não podem ser divididos, assim como seus cultos não são separáveis, fica simples de entender o motivo, partindo do pressuposto que ambos tem o seu berço no Benin, e lembrando que aqui falamos do olhar dos nossos ancestrais sobre essa bacia hidrográfica e de todo cenário geográfico.
É recompensador encontrar pequenas respostas dentro da racionalidade.
Desejo que Olokun chegue na vida de todos aqueles que trabalham, se reinventam e que não desistem,não como sendo um Orixá exclusivo do Candomblé. Que a vitória e o merecimento do sucesso chegue ao Ori dos que se esforçam e lutam.
“Gbogbo ola omi to nbe ni ile aye ko lee to t'olokun”
Tradução:
O mundo está cercado pelo oceano. Portanto, a divindade do oceano não pode ser ignorada.
�� simplesmente ameiii
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