terça-feira, 2 de outubro de 2012

AS NAÇÕES


REPENSANDO NAÇÕES E TRANSNACIONALISMO
 Temos visto recentemente centenas de escritos sobre o nascimento recente de comunidades culturais, econômicas, políticas e sociais que transcendem, transbordam e atravessam as fronteiras de múltiplas nações. Os defensores desta idéia tendem a identificar o começo do fenômeno com alguma transformação relativamente recente.
 A tentativa nessa matéria é estender as referências teóricas da amplitude do negro africano à afro descendente na maior imigração transoceânica na história da humanidade data +- à partir do Sec.XV, Foi com certeza mais ampla do que a imigração dos europeus para as Américas ocorrida no mesmo período.
 Ainda hoje, muitos descendentes daqueles africanos raptados se reconhecem como integrantes de “nações” diaspóricas, para usar um termo que é especialmente comum na América Latina, como existem também as naciones arará, congo e lucumí em Cuba, assim como as nações jeje, congo-angola e nagô no Brasil. De modo um pouco diferente, verifica-se a existência das nachons rada, congo e nago no Haiti.
 Segundo o modelo convencional de Nina Rodrigues, Arthur Ramos, Melville J. Herskovits e, em Cuba, de Fernando Ortiz, essas nações eram grupos étnicos africanos que foram levados para o Novo Mundo e, até certo ponto, lá “sobreviveram”.
 Observando sempre que: Essas nações eram frequentemente agrupamentos impostos a diversos povos e as distintas ordens de categorias políticas, lingüísticas e culturais que foram unificados primariamente com  propósitos comerciais dos traficantes de escravos que conforme alguns estudiosos chamam essas nações, ou categorias étnicas, de “trademarks”, ou “marcas registradas”.
 Isto não quer dizer que esses agrupamentos não possuíssem afinidades culturais ou potencialmente políticas. Suas afinidades reais, imaginadas ou potenciais estavam entre as razões que fizeram com que acabassem sendo reunidos de modo similar no Haiti, em Cuba e no Brasil — para não falar no restante da América Latina.
 Essas nações ainda vivem de acordo com as denominações dos vários templos das religiões afro-cubana e afro-brasileira, como o Candomblé, e dos vários deuses e ritmos de tambor sagrados em Cuba, no Brasil e no Haiti.
 A história parece simples quando imaginamos essas nações no final do século XIX, e hoje em dia, como sendo nada mais do que memórias esmaecidas do passado, como “folclore” de certo modo diferente e desligado da realidade única da nação territorial. Argumenta-se que essas nações eram originalmente “nações políticas africanas”, mas foram “aos poucos perdendo sua conotação política para se transformar num conceito quase exclusivamente teológico e ritual”
 “A história do termo “nação” não começou com o tráfico de escravos nem sequer com a formação da nação territorial, ocorreu no final do século XVIII, pois desde muitos séculos, e sim por imposições de cognatos nas línguas européias têm o sentido de um grupo de pessoas ligadas nitidamente pela ascendência, língua ou história compartilhadas a ponto de formarem um povo distinto”.
 O que interessa especificamente nisso tudo é o paralelo de dois usos rivais do termo, os dois coincidindo com a colonização européia das Américas. Argumentando que a nação territorial nas Américas emergiu não só de um diálogo isolado com a Europa, mas também fortemente de um diálogo com as nações transatlânticas e territoriais geradas pela colonização africana desses continentes.

A NAÇÃO “VOODOO”
 O termo voodoo em inglês vem da palavra vodun, que significa“divindade” ou “deus” no grupo dialetal ewe-gen-aja-fon do Golfo daGuiné — a oeste da localização contemporânea dos yorùbá. Há muitos séculos, saíram várias dinastias da cidade de Tado, atualmente no Togo.
Tais dinastias fundaram os reinos de Allada, Dahomé e Hogbonou ou Porto-Novo. Elas e seus súditos acabaram por falar diversos dialetos. Como súditos de diversos reinos, esses grupos não pertenciama nenhum grupo politicamente unido. De fato, achavam-se muitas vezes em guerra uns contra os outros.
 Durante o século XVII e começo do XVIII, o reino de Allada dominava o comércio com os europeus nessa região. A oeste achava-se o famosíssimo Castelo de São Jorge da Mina, o qual desempenhou um papel importante no comércio afro-europeu. Nesse período, traficantes de escravos e viajantes europeus identificaram vários povos adoradores dos voduns e chamaram-nos coletivamente de
“Ardra/Arder/Ardres” (do nome do reino de “Allada”) e “Minas” (do nome do Castelo de São Jorge da Mina).
 Em seguida, encontram populações no Haiti chamadas de “Rada” e em Cuba de “Arara”. No Brasil e na Louisiana francesa foram denominadas “Minas”. No entanto, em certo momento, em meados do século XVIII, no Brasil, esses mesmos povos adoradores dos voduns passaram a ser conhecidos como “Jejes”. Sendo este nome um mistério. Embora os falantes de ewe, gen, aja e fon tivessem sido embarcados em maior número antes de 1800, não foi encontrada nenhuma menção a esse nome no Golfo da Guiné até 1864, depois do fim efetivo do tráfico de escravos.
 O termo “jeje” aparece nos documentos brasileiros a partir de 1739, embora esteja ausente da cartilha escrita no Brasil por Peixoto (1943-44). A adoração dos deuses vodun deixa pouca dúvida de que a sua religião veio da zona entre o Castelo de São Jorge da Mina
 Rodrigues estabeleceu a tradição etimológica brasileira de identificar a palavra “ewe” — o nome do dialeto falado agora no sudoeste de Togo e no sudeste de Gana — como a origem do termo“jeje”, que hoje em dia designa o dialeto do povo “mina” do Togo e do sudoeste do Benin.
 Até hoje, a maioria dos terreiros da nação jeje auto declara-se “marrim”(mahi) (maxi) ou “savalu”. Essa proeminência histórica dos Maxi na Bahia ajuda a entender a raridade da cobra na religiosidade baiana no final do século XIX.
 Os Maxi no Golfo da Guiné praticaram pouco a adoração do deus-serpente. Mas como se explica a ascensão do deus-cobra na Bahia no século XX? É considerado que a comunicação no começo deste século entre a Bahia e o Golfo da Guiné implica o ressuscitamento da nação jeje e a adoção por parte da mesma do deus-serpente como seu emblema. Os famosos marrins baianos que regressaram à África e mantiveram contato com a Bahia normalmente, estabeleceram os seus quartéis-generais não na terra interior dos Maxi, mas no litoral, onde a adoração do deus-serpente era central na religião dos nativos.
 A TRADIÇÃO JEJE: 
O VODUN JEJE SOGBÔ E A PROVA DE ZO
A tradição dos povos fons que aqui no Brasil foram chamados de Adjeje ou Jeje pelos yorubás, requer um longo confinamento quando na época de iniciação. Essa tradição Jeje exigia de 06 (seis) meses ou até 01 (um) ano de reclusão, de modo que o novo vodun-se aprendesse as tradições dos voduns: como cultuá-los, manter os espaços sagrados, cuidar das árvores, saber dançar, cantar, preparar as comidas e um artesanato básico necessário a implementos materiais dos diferentes assentos, ferramentas e símbolos necessários ao culto.
Para os povos Jeje, os voduns são serpentes que tem origem no fogo, na água, na terra, no ar e ainda tem origem na vida e na morte. Portanto, a divindade patrona desse culto é Dan ou a "Serpente Sagrada".
 Para o povo Jeje os Voduns são serpentes sagradas e sendo as matas, os rios, as florestas o habitat natural das cobras e dos próprios voduns. O ritual Jeje depende de muito verde, grandes árvores pois muitos voduns tem seus assentos nos pés destas árvores.
Outra particularidade deste culto é de que quando as vodun-ses estão em transe ou incorporadas com seu vodun: os olhos permanecem abertos, ou seja, os voduns Jeje abrem os olhos, diferente dos orixás dos yorubás, que mantém os olhos sempre fechados.
 É comum no culto Jeje provar o poder dos Voduns quando estes estão incorporados em seus iniciados. Uma destas provas é a prova chamada Prova do Zô ou Prova do Fogo do vodun Sogbô, que governa as larvas vulcânicas e é irmão de Badé e Acorombé, que comandam os raios e trovões.
 A seguir, cita-se uma Prova do Zô feita com uma vodun-se feita para Sogbô, um vodun que assemelha-se ao Xangô do Yorubás:
 Num determinado momento entra no salão uma panela de barro, fumegante, exalando cheiro forte de dendê borbulhante, contendo dentro alguns pedaços de ave sacrificada para o vodun. Sogbô adentra o salão com fúria de um raio, os olhos bem abertos (que como expliquei é costume dos voduns) e tomando a iniciativa vai até a panela, onde mergulha as mãos por algum tempo. Em seguida, exibe para todos os pedaços da ave. É um momento de profunda emoção gerando grande comoção por parte dos outros iniciados que respondem aquele ato entrando em estado de transe com seus voduns.

CONCLUSÃO
O caso das nações afro-latinas compromete a lógica primordialista da história convencional dos grupos étnicos africanos, mas fala da literatura recente sobre a nação e o transnacionalismo. Mas demonstra que comunidades diaspóricas, poderosamente imaginadas, desenvolviam-se ao mesmo tempo que a nação territorial. E o fato que essas “nações” diaspóricas criaram um vocabulário paralelo ao da nação territorial.
 Uma das chaves do sucesso extraordinário dessas nações diaspóricas é que muitas pessoas negras e mulatas não achavam convincente, de jeito nenhum, a“imaginação” da sua cidadania na nação territorial.
 Consideravam-se, freqüentemente, excluídos dos direitos e privilégios dessa cidadania.
Achavam mais impressionantes e convincentes as formas de inclusão, imaginário literário e pompa associados com as nações diaspóricas. Ademais, essas pessoas negras e mulatas não estavam sozinhas nessa preferência; muitos brancos também aderiram e continuam aderindo a tais circunstâncias.
 No passado, muitos antropólogos, historiadores e outros estudiosos da cultura negra tenderam a supor que os cativos africanos nas Américas se originaram de grupos étnicos africanos cujas culturas preexistentes “sobreviveram” na diáspora até elas desaparecerem aos poucos pelo processo de assimilação.
 Ao contrário, os grupos africanos e afro-americanos mais importantes são transatlânticos na sua gênese. Embora supostamente primordiais certos grupos étnicos na África não teriam existido senão pelos esforços dos regressados da diáspora. O grupo étnico jeje é um desses casos que estende a duração do fenômeno cultural e politicamente transformador, que é atualmente chamado de“transnacionalismo”.
Para entrar em contato com pai Guilherme d'Bará ligue para o fone 53 84352242 ou pelo email buzionline@hotmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário