Diziam os mais velhos que Olodumare, o Deus maior, determinou que Obatalá criasse os homens para que eles povoassem o Ayê – esse nosso mundo visível. Não foi em um ato de misericórdia ou amor que o Deus determinou que o ser humano fosse criado; Olodumare fez isso em um momento de vaidade, do qual em algumas ocasiões arrependeu-se amargamente.
Obatalá, para criar os homens, os moldou a partir de um barro primordial; para isso pediu a autorização de Nanã, a venerável Orixá que tomava conta daquele barro. Os seres humanos, depois de moldados, recebiam o emi – sopro da vida – e vinham para a terra; aqui viviam, amavam, geravam novos homens, plantavam, colhiam, se divertiam e cultuavam as divindades.
Aconteceu, porém, que o barro do qual Obatalá moldava os homens foi acabando. Em breve não haveria a matéria primordial para que novos seres humanos fossem feitos. Os casais não poderiam ter filhos e a terra mergulharia na tristeza trazida pela esterilidade. A questão foi levada a Olodumare.
Ciente do dilema da criação, Olodumare convocou os Orixás para que eles apresentassem uma alternativa para o caso. Como ninguém pensasse uma solução, e diante do risco da interrupção do processo de criação dos homens, Olodumare determinou que se estabelecesse um ciclo. Depois de certo tempo vivendo no Ayê, os homens deveriam ser desfeitos, retornando à matéria original, para que novos homens podessem, com parte da matéria restituída, ser moldados.
Resolvido o dilema, restava saber de quem seria a função de tirar dos homens o sopro da vida e conduzi-los de volta ao todo primordial – tarefa necessária para que outros homens viessem ao mundo.
Obatalá esquivou-se da tarefa. Vários outros Orixás argumentaram que seria extremamente difícil reconduzir os homens ao barro original, privando-os do convívio com a família, os amigos e a comunidade. Foi então que Iku, até então calado, ofereceu-se para cumprir o designo do Deus maior. Olodumare abençoou Iku. A partir daquele momento, com a aquiescência de Olodumare, Iku tornava-se imprescindível para que se mantivesse o ciclo da criação.
Desde então, Iku vem todos os dias ao Ayê para escolher os homens e mulheres que devem ser reconduzidos ao Orum. Seus corpos devem ser desfeitos e o sopro vital retirado, para que, com aquela matéria, outros homens possam ser feitos – condição imposta para a renovação da existência. Dizem que, ao ver a restituição dos homens ao barro, Nanã chora. Suas lágrimas amolecem a matéria-prima e facilitam a tarefa da moldagem de outros homens.
Iku é, desde então, o único Orixá que tem a honra de baixar na cabeça de todas as pessoas que um dia passaram pelo Ayê. É por isso que no Arissum, o ritual fúnebre que celebra, prepara e comemora a volta dos homens ao todo primordial, prestam-se homenagens a Iku – com cantos de júbilo e louvação que, mais que a morte, reafirmam o mistério maior; a possibilidade de outras e outras vidas.
Assim diziam os mais velhos, que jamais vestiam luto, em sua infinita sapiência.
Olodumare Axé.
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